domingo, 28 de novembro de 2010

O rei dos comilões

Era uma vez um rei que era um grande comilão. Era o rei dos comilões. E como não havia ele de ser o rei, se o reino se chamava Comilândia ou Terra dos Comilões? Empanzinava-se o rei, do pequeno-almoço à ceia, e empanzinavam-se os seus súbditos, em menor quantidade, claro, mas também com fartura, pois então! 
Era um reino de abundância aquele. Tudo nascia, crescia e dava fruto que era uma admiração. O trigo a abarrotar os celeiros, o gordo gado a pastar nos prados, a água e o vinho a jorrar das fontes, as couves tronchudas a alegrar as hortas, enfim um país de maravilha, um país nunca visto, meus amigos.
O que a terra dava chegava e sobrava. E o que sobrava era muito. Se fosse distribuído pelos países vizinhos, que não tinham a mesma sorte da Comilândia, a fartura tocaria a todos, a toda a gente, a todo o Mundo. Mas neste ponto, o rei comilão e rei dos comilões não era do mesmo parecer.
 - Cada um que trate de si - dizia o monarca.

Ora um dia, estranho dia, aconteceu uma coisa de espantar. Foi o caso que o rei, dirigindo-se para o salão, onde iria tomar o seu pequeno-almoço, perdeu o apetite. Perdeu o rei o apetite, antes de chegar à mesa do banquete, e não conseguiu lembrar-se de onde o teria deixado.
- O rei perdeu o apetite - murmuram os conselheiros para os ministros, os ministros para os generais, os generais para os conselheiros, os conselheiros para os ministros, os ministros para os generais, num murmúrio sem fim.
Puseram-se todos à procura do apetite real, mas sem resultado. Seria possível que o famoso e realíssimo apetite desaparecesse, sem quê nem porquê, de um momento para o outro? Onde teria Sua Majestade deixado o apetite?
O mais estranho nisto tudo é que os súbditos, por voltas e reviravoltas do destino, também foram perdendo o apetite. Vendo bem, não havia motivo para espantos. Eles, que em tudo seguiam Sua Majestade, acompanhavam-na neste passo, da mesma forma que a tinham acompanhado, como glutões, nos muitos banquetes reais.
A doença, que não tinha sinais de doença, alastrou. Andava todo o reino com fastio. Os frutos apodreciam nas árvores, as couves secavam nas hortas, o vinho e a água inundavam as terras, o gado devastava os trigais. Ninguém sentia vontade de comer, ninguém se dispunha sequer a estender um braço para colher os frutos da abundância. Estava o reino perdido.
Sentindo a ameaça dos vizinhos cobiçosos, dispostos já a atravessar as fronteiras, empunhando espadas e lanças, os conselheiros lembraram ao rei, que fora comilão, a necessidade de distribuir as colheitas e os bens armazenados pelos habitantes dessas terras pobres, que circundavam o reino.
- Nunca! - barafustou o monarca avarento. - Cada um que trate de si.
Insistiram os conselheiros, lembrando-lhe, como argumento, que esses bens e alimentos já não eram necessários ao país. Assim conseguiram convencer o rei e logo ali se combinou um encontro entre monarcas vizinhos e o rei, que fora comilão.
Enviados os convites, todos aceitaram. Cheios de curiosidade, vieram, com os seus séquitos, conhecer a hospitalidade da farta terra dos Comilões.
Houve cerimónias, negociações amigáveis e um grande projecto de distribuição dos excedentes do reino às populações mal alimentadas dos reinos vizinhos. No fim de tudo, um banquete oferecido pelo rei visitado aos reis visitantes assinalou condignamente os contratos de paz.
Querem então saber uma coisa? Nesse jantar, pela primeira vez há muito tempo, o rei da Comilândia sentiu crescer-lhe água na boca, ao cheiro dos manjares trazidos para a mesa.
Voltara-lhe o apetite, tal como a todos seus súbditos. Não era um apetite desalmado como dantes, mas uma boa e saudável fome, que nascia na barriga e não nos olhos...
E assim acaba a história. E acaba bem.

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